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Foto do escritorCláudio Giordano

Vinho mineiro no início do século XX

Recém ingressou na BVReppucci pequeno trabalho intitulado Memórias de um Carpinteiro, de Luís Gonzaga dos Santos, prefaciado por Aires da Mata Machado Filho, e publicado em Belo Horizonte (MG), 1963. Escreveu-o o autor (nascido em 1898; não consegui apurar quando faleceu) aos sessenta e poucos anos, entre fins 1959 e meados de 1961, como homenagem ao seu “velho e saudoso pai”. E decidiu fazê-lo registrando as lembranças que guardava do tempo que viveu em sua Diamantina natal, do nascimento até 1944, e “pedindo a Deus que me alumie a memória para que neste modesto lar, longe e ausente de todos os que me são caros, possa escrever como diamantinense amigo aos amigos do meu tempo e principalmente àqueles que como eu, devido a dificuldades financeiras, foram obrigados a sair e não acompanharam o atual progresso de nossa querida terra, mas conservam no coração a verdadeira saudade de tudo que lá deixam”.


Sumamente surpreso à leitura dos originais que lhe levara “Luís Gonzaga dos Santos, oficial de carpinteiro a quem a dureza da lida aposentou, sem leitura de espécie alguma, só com o curso primário e a escola da vida”, escreve no prefácio Aires da Mata Machado Filho:


“Alvoroçada surpresa tomou conta de mim, logo às primeiras linhas. O homem escreve como se falasse. A linguagem direta não tem arrebiques. E que significativo testemunho! Um mundo de observações e de elementos vivos para o estudioso de sociologia, de história social, de estilo, principalmente para todos nós interessados no conhecimento do homem, na interpretação da realidade, na compreensão da vida. [...] Foi o caso que certas coisas da vida o atiraram à condição de quase miséria. Para um rancho esburacado, junto a um cemitério, levou os desgostos de família que o puseram na pobreza extrema, devendo os cabelos da cabeça. Acabrunhado e só, debaixo de teto alheio, que a caridade lhe dera, começou a pensar na vida, a lembrar-se das suas professoras e do seu pai, dos bons tempos de menino e de rapaz, da vida diferente na sua terra, e experimentou a necessidade irresistível de afugentar o presente, recordando o passado. Foi o que me disse em palavras suas, que eu quisera poder reproduzir.”



Depois de escritas algumas dezenas de páginas, Luís Gonzaga intitula a seguinte “Um parêntese” e diz:


“Tendo agora neste livro de entrar em assuntos que vão interessar muito aos leitores por tratar de alguns fatos desconhecidos por muitos e tendo que me referir a pessoas ligadas aos mesmos venho, em primeiro lugar, fazer ciente a todos, que sou descendente de negros africanos e índios da mata de Filadélfia, conforme diziam meus pais, e estes eram meus bisavôs, todos escravos e negros, mas desde a minha infância nunca existiu em mim o menor complexo de inferioridade. Por isso, sem receio de ofender ou adular a quem quer que seja, sigo o meu livro ciente de que estou falando a verdade e procurando evitar o mais possível de citar nomes de pessoas ligadas aos mesmos fatos. Peço desculpar-me e assim continuo o meu livro.”


Entretanto, o que justificou o ingresso do surpreendente relato memorialístico do carpinteiro afrodiamantino na BVR é o pitoresco e exíguo (relevante, porém, para a história do vinho no Brasil) capítulo reproduzido a seguir:



O nosso saudoso Vinho


Diamantina, apesar de ser conhecida como uma cidade de pouca indústria, já teve o seu nome entre as melhores produtoras de excelentes vinhos de pura uva. Por muitos anos esta indústria foi uma das mais rendosas. Com ela foram criados e educados muitos filhos de diamantinenses, principalmente aqueles que estudavam em nosso seminário. D. Joaquim era um dos que maiores interesses teve pela vinha em nossa terra. O vinho do Palácio era procurado com grande interesse por pessoas de lugares longínquos, devido a seu ótimo paladar e também a sua escrupulosa fabricação. D. Joaquim com a sua afamada adega, sustentava em parte as obras das vocações sacerdotais, mantinha diversos parreirais e a sua fabricação, embora feita por processo antigo, havia sempre em depósito pipas de vinho de todas as épocas que o freguês desejasse. Se alguém festejava bodas de prata, mandava comprar vinho da época do seu casamento, para celebrar e oferecer aos amigos. O mesmo se fazia em formatura dos jovens estudantes. Os pais procuravam vinho do ano em que nasceu o jovem, o doutor ou a normalista etc. e assim tornava o vinho do Palácio de grande importância em tais ocasiões.


O Seminário e a Chácara das Missões também mantinham ótimos parreirais e fabricavam excelentes vinhos, sendo muito afamado o do padre Lacoste.


Este padre superior das missões era de nacionalidade francesa e residiu longos anos em Diamantina, sendo alguns dos parreirais plantados por ele com excessivo carinho. Preferia dar um copo ou uma garrafa de vinho a dar um cacho de uva. Defendia os seus parreirais até com tiro para espantar ladrões de uvas. Foi um sacerdote exemplar e trabalhador, muito amigo de nossa terra e nunca se esqueceu de suas atividades religiosas. Como continuador de sua obra temos o padre Gaspar, de quem tenho muitas saudades. Também tivemos outros fabricantes, corno o Sr. Sebastião Rabelo, Sr. Ricardo de tal, Sr. Almeida. Na Santa Casa as irmãs sob a chefia do provedor Sr. Cosme, no Colégio de Nossa Senhora das Dores, também se cultivava um enorme parreiral e se fabricava grande quantidade de vinho e este era feito por profissionais competentes como o Sr. Pedro Italiano, Agostinho de Abreu, o Misael Santana; este também fabricava a sua garapa de uva, como era apelidada. Enfim a indústria do vinho teve sua época de progresso em Diamantina, mas não posso deixar de censurar, com muita razão, o nosso defeito de não sermos perseverantes. Esmorecemo-nos por qualquer dificuldade que nos apresente ou apareça, e assim esta fonte de riqueza de Diamantina, foi aos poucos acabando e hoje poucos são os que ainda se dedicam a tal indústria. Agora se veem no tempo da colheita de uvas tabuleiros cheios pelas ruas à procura de compradores. Muitos vendem para alguma indústria que fabrica só para fins de vender e mais nada, acabando desta forma o nosso tão apreciado vinho de Diamantina.




 



El vino de Minas Gerais a principios del siglo XX.


Recientemente se incorporó a BVReppucci una pequeña obra titulada Memorias de un carpintero, de Luís Gonzaga dos Santos, con prefacio de Aires da Mata Machado Filho y publicada en Belo Horizonte (estado de Minas Gerais) en 1963. El autor la escribió (nació en 1898; no logré determinar cuando falleció) a la edad de sesenta y pico, entre fines de 1959 y mediados de 1961, como tributo a su "padre viejo y anhelante". Y decidió hacerlo registrando los recuerdos que guardó del tiempo que vivió en la ciudad de Diamantina, donde nació, hasta 1944, y "pidiéndole a Dios que ilumine mi memoria para que en este modesto hogar, lejos y ausente de todos los que me son queridos", pueda escribir como un amigo de la ciudad de Diamantina a los amigos de antaño, y especialmente a aquellos que, como yo, debido a dificultades financieras, se vieron obligados a irse y no acompañaron el progreso de nuestra amada tierra, pero que mantienen en sus corazones el verdadero anhelo por todo lo que dejan allí".


Sumamente sorprendido por la lectura de los originales que le llevó "Luís Gonzaga dos Santos, un oficial de carpintería que jubiló da dureza de la lectura y no leía nada, ya que solo tenía la escuela primaria y la escuela de la vida", escribe en el prefacio Aires da Mata Machado Filho:


“Una sorpresa alborotada se apoderó de mí, justo en las primeras líneas. El hombre escribe como si hablara. El lenguaje es directo sin fruslerías. ¡Y qué testimonio tan significativo! Un mundo de observaciones y elementos vivos para el estudiante de sociología, historia social, estilo, especialmente para todos los interesados ​​en el conocimiento del hombre, en la interpretación de la realidad, en la comprensión de la vida. [...] Fue el caso que ciertas cosas en la vida lo llevaron a la condición de casi miseria. Se mudó a un rancho lleno de hoyos, al lado de un cementerio, para donde llevó los disgustos familiares que lo pusieron en extrema pobreza, llegando a deber su propio pelo. Lejano y solo, viviendo bajo el techo de otros por caridad, comenzó a pensar en la vida, a recordar a sus maestros y a su padre, los buenos momentos de su niñez y adolescencia, la vida diferente en su tierra, cuando experimentó la abrumadora necesidad de ahuyentarse del presente y recordar el pasado. Es lo que me dijo en sus propias palabras, que desearía poder reproducir."



Después de escribir algunas docenas de páginas, Luís Gonzaga tituló el siguiente "Un paréntesis" y dice:


“Como ahora tengo, en este libro, que entrar en temas que van a interesar mucho a los lectores, al tratar de algunos hechos desconocidos para muchos y como voy a tener que referirme a personas relacionadas con ellos, quiero, en primer lugar, aclarar que soy descendiente de africanos negros e indios del bosque de Filadelfia, como me contaban mis padres, y estos eran mis bisabuelos, todos esclavos y negros, pero desde mi infancia nunca tuve el menor complejo de inferioridad. Entonces, sin temor a ofender o halagar a nadie, sigo mi libro consciente de que estoy diciendo la verdad y trato de evitar lo más posible mencionar los nombres de las personas relacionadas con los hechos. Pido disculpas y sigo con mi libro ".


Sin embargo, lo que justificó la incorporación del sorprendente informe memorial del carpintero afrobrasileño en la BVR es el pintoresco y pequeño (relevante, sin embargo, para la historia del vino en Brasil) capítulo que se reproduce a continuación:



Nuestro nostálgico Vino


La ciudad de Diamantina, a pesar de ser conocida como una ciudad con poca industria, estuvo entre los mejores productores de excelentes vinos de uva pura. Durante muchos años, esa industria fue una de las más rentables. Con ella, muchos niños de la ciudad de Diamantina fueron criados y educados, especialmente aquellos que estudiaron en nuestro seminario. Don Joaquim fue uno de los más interesados ​​en la viña de nuestra tierra. El vino del palacio fue de gran interés por parte de personas que venían de lejos, debido a su excelente sabor y también a su fabricación escrupulosa. Don Joaquim, con su famosa bodega, apoyó en parte los trabajos de vocaciones sacerdotales, mantuvo varios viñedos y su fabricación, aunque realizada por un proceso antiguo, siempre contenía barriles de vino de todos los períodos que el cliente deseaba. Si alguien celebraba una boda de plata, pedían vino de la fecha de su boda para la celebración y para ofrecer a sus amigos. Lo mismo se para la graduación de jóvenes estudiantes. Los padres buscaban vino del año en que nació el joven, médico o normalista, etc. y así el vino del Palacio se hizo de gran importancia para esas ocasiones.


El Seminario y la Chacra de las Misiones también mantuvieron excelentes viñedos y produjeron excelentes vinos, siendo muy famoso el del Padre Lacoste.


Ese sacerdote superior de las misiones era de nacionalidad francesa y vivió durante muchos años en Diamantina, que plantó algunos de los viñedos con sumo afecto. El prefería dar una copa o una botella de vino a dar un racimo de uvas. Incluso defendía sus viñedos con tiros para asustar a los ladrones de uvas. Era un sacerdote ejemplar y trabajador, un gran amigo de nuestra tierra y nunca olvidó sus actividades religiosas. Como continuador de su trabajo tenemos al padre Gaspar, a quien extraño mucho. También tuvimos otros productores, como el Sr. Sebastião Rabelo, el Sr. Ricardo de tales, el Sr. Almeida. En Santa Casa, las hermanas bajo el liderazgo del proveedor Sr. Cosme, en el Colegio de Nossa Senhora das Dores, también se cultivó un gran viñedo y se hizo una gran cantidad de vino, que era producido por profesionales competentes como el Sr. Pedro Italiano, Agostinho de Abreu, Misael Santana; él también fabricaba su jugo de uva, la “garapa de uva”, como se le llamaba. En fin, la industria del vino tuvo su momento de progreso en Diamantina, pero no puedo dejar de censurar, con buena razón, nuestro defecto, el que no somos perseverantes. Nos debilitamos por cualquier dificultad que se nos presente o aparezca, así que esa fuente de riqueza de Diamantina se fue gradualmente terminando y hoy en día hay pocos que aún se dedican a dicha industria. Actualmente, en la época de cosecha de uvas, se ven bandejas llenas de uvas por las calles buscando compradores. Muchos venden a alguna industria que solamente produce con la intención de vender y nada más, de esta forma, terminando con nuestro tan apreciado vino de Diamantina.



Traducción de Mônica H. Reppucci.





 



The wine of Minas Gerais at the beginning of the 20th century



A small work entitled Memories of a Carpenter was recently incorporated into BVReppucci. It was written by Luís Gonzaga dos Santos, prefaced by Aires da Mata Machado Filho and published in the city of Belo Horizonte (State of Minas Gerais) in 1963. The author wrote it (he was born in 1898 but I was unable to ascertain the date of his decease) when he was around sixty years old, between late 1959 and mid-1961, as a tribute to his “old and beloved father”. He decided to write the book in order to record the memories that he kept from the time when he lived in his hometown, the city of Diamantina, where he lived from birth until 1944, and “asking God to enlighten my memory so that, in this modest home, far and away from all who are dear to me, I can write as a hometown friend to my friends of the old times, especially to those who, like me, due to financial difficulties were forced to leave and not able to follow the progress of our much-loved land. Nevertheless, we keep in our hearts the nostalgic feeling for everything that we’ve left there ”.


Aires da Mata Machado Filho was extremely surprised when he read the originals brought to him by “Luís Gonzaga dos Santos, a carpenter officer who retired from the hard work of reading. In fact, he didn’t read much as the only education he had, came from the primary school and from the school of life”, as he writes in the preface:


“I was wildly surprised right on the first lines. The man writes as if speaking. The direct language has no fripperies. And what a meaningful testimony! A world of observations and living elements for those who study sociology, social history, style, and especially for those of us interested in mankind, in the interpretation of reality, in the understanding of life. [...] Certain things in life threw him to a nearly miserable condition. He moved to a bumpy ranch next to a cemetery where he took his family's grievances that led him to the condition of extreme poverty, up to the point where he owed his own hair. Lonely and secluded, living under other people’s roof out of charity, he began to think about life, remember his teachers and his father, the good times when he was a boy and a teenager, the different life in his land, so he experienced an overwhelming need to run away from the present and remember the past . That's what he told me in his own words and which I wanted to reproduce.”



After writing a few dozen pages, Luís Gonzaga names the following “A parenthesis” and says:


“This book will now have to address subjects that will interest readers a lot, as they deal with some facts unknown to many. Having to refer to people related to them, I firstly want to inform you all that I descend from black Africans and Indians from the forest of Philadelphia, as told by my parents, and they were my great-grandparents, all slaves and blacks, but since my childhood I’ve never felt a slight inferiority complex. So, without being afraid of offending or flattering anyone, I continue my book knowing that I’m saying the truth and trying to avoid, as much as possible, mentioning the names of the people connected to the facts. I apologize and continue with my book. ”


However, the reason for incorporating the surprising memorial report written by the Afro-Diamantina carpenter into BVR was the tiny picturesque (but relevant for Brazil’s wine history) chapter, reproduced below:



Our long yearned Wine


The city of Diamantina, despite being known as a city with little industry, was once among the best wine producers, with excellent pure grapes. For many years, it was one of the most profitable industries. With the money from that industry, many children from Diamantina were raised and were able to go to school, especially those who studied at our seminary. Dom Joaquim was one of the people that were very interest in our land’s vineyard. The wine of the Palace used to be sought with great interest by faraway people due to its excellent taste and to its careful production. With his famous wine cellar, Dom Joaquim supported part of the priests, several vineyards and although ancient, the manufacture process always contained barrels of wine from any period the customer wished to have. If customers were celebrating a wedding anniversary, then they would order a wine from the time of their wedding for the celebration and to offer to their friends. The same for the graduation of young students: parents looked for the wine of the year when the young man was born, doctors, teachers, etc., so the wine of the Palace became very important on those occasions.


The Seminar and the Missionary Ranch also kept excellent vineyards and produced excellent wines. The wine produced by father Lacoste was very famous.


Father Lacoste, a high missionary priest, was of French nationality and lived for many years in the city of Diamantina. He planted some of the vineyards with extreme affection. He would rather give a glass or bottle of wine than a bunch of grapes. He would even fire a weapon to scare away the grape thieves. He was an exemplary and hardworking priest, a great friend of our land and never forgot his religious activities. Father Gaspar, whom I miss a lot, continued his work. We also had other producers, such as Mr. Sebastião Rabelo, Mr. Ricardo something and Mr. Almeida. At Santa Casa, sisters under the direction of benefactor Mr. Cosme, at Nossa Senhora das Dores School, was also cultivated a huge vineyard and was produced a large quantity of wine, which was carried out by competent professionals such as Mr. Pedro Italiano, Agostinho de Abreu, Misael Santana; the latter also produced his own grape juice, the “garapa de uva”, as it was called. The wine industry had its good times in Diamantina, but I cannot fail to censor, with good reason, our fault for not being persevering people. We are weakened by any new difficulty and so that source of wealth for Diamantina gradually ended up and today there are only few people who still dedicate themselves to such industry. Currently, when it’s harvest season, we can see grape-filled trays on the streets looking for buyers. Many sell the grapes to industries that produce the wine with the sole purpose of selling it and nothing else, therefore bringing to an end our much appreciated wine from Diamantina.




Translation by Mônica H. Reppucci.



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1 Comment


mariolis21
Mar 05, 2020

Parabéns por esse excelente trabalho, me encantou cada palavra lida

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